Contexto Político
A Colômbia está alicerçada politicamente em dois partidos: liberal e conservador. Segundo a análise de alguns funcionários do Governo para a maioria dos colombianos ambos não têm identidade própria e suas propostas se confundem.
A situação de conflito armado traz algumas peculiaridades como o “desplazamiento”, expulsão de famílias inteiras de suas terras, que vão, como verdadeiros refugiados, se deslocar para outras áreas em busca de paz.
O desplazamiento já atingiu mais de 3 milhões de cidadãos colombianos. No governo do presidente Andrés Pastrana Arango, foi iniciada uma tentativa fracassada no sentido de garantir um território neutro (zona de despeje) para os guerrilheiros que controlam a produção de coca.
A guerrilha, que no passado tinha um caráter ideológico e uma participação política mais ativa, hoje é vista com descrédito por grande parte da população colombiana, que enxerga suas ações como meramente comerciais.
O exército retomou a ofensiva militar contra os guerrilheiros e os únicos entendimentos se limitam às negociações de troca entre autoridades seqüestradas e os guerrilheiros presos.
O policiamento ostensivo nas ruas, também a cargo do exército, causa desconforto até para brasileiros habitantes de grandes metrópoles. Carros têm os porta-malas revistados e pessoas seus pertences checados ao entrarem em shopping centers e lugares públicos. Por todo o lado se vêem cães farejadores de bombas.
A Educação na América Latina
Segundo o ex-ministro chileno Ernesto Schiefelbein, no relatório “Em busca da escola do século XXI”, (UNESCO/UNICEF) na América Latina a maioria das crianças de 10 anos (93,2%) estão matriculadas e permanecem na escola por 5 a 7 anos.
As crianças também se matriculam na escola relativamente cedo – 83,1% entram aos 7 anos na escola e ao redor de 40% dos alunos da primeira série são repetentes.
A evasão escolar se inicia aos 12 anos e alcança cerca de 3% do grupo desta idade, aumentando logo em seguida para 9% nas crianças entre 13 e 14 anos. Estes números indicam que a necessidade de uma maior cobertura está superada e que agora o problema se concentra na qualidade.
O acesso é quase universal, mas a qualidade um tanto deficiente.
Panorama Educacional na Colômbia
O gasto por aluno na Colômbia é baixo, pouco superior a US$ 400 por aluno/ano, muito menos que o Brasil, que gasta cerca de US$ 800. No entanto, é motivo de orgulho para os estudiosos colombianos quando se comparam com outros países da América do Sul que gastam muito mais sem ter um retorno proporcional.
A Colômbia tem quase 11 milhões de alunos na educação básica, distribuídos em 26,5 mil escolas. O setor privado atende a 30% do total de matrículas. Até o ano 2000 as taxas de reprovação eram de 9% no ensino fundamental e de 11% no médio.
Um decreto de 2004 reduziu artificialmente esta taxa proibindo-a de ser superior a 5%. Mexendo no termômetro, ao invés de atacar as causas da doença, o país possui hoje uma taxa de 4,2%. A evasão escolar é alta, de 8,4%.
No Ensino Fundamental, a educação possui 9 anos, como no Brasil. Já o Ensino Médio possui apenas 2 anos e está se discutindo a ampliação para 3 anos, o que também se equivalerá ao sistema brasileiro.
Maria Isabel Fernandes Cristovao, brasileira naturalizada colombiana que ocupa um importante cargo no Ministério da Educação, desempenhando a função de Diretora de Qualidade da Educação Básica, articula os três eixos da política educacional colombiana: avaliação e indicadores educacionais; programas de melhoramento (onde equipes de acompanhamento orientam tecnicamente diretores de escola e secretários municipais) e articulação institucional, que trata dos temas “transdisciplinares” (educação sexual, cidadania, saúde escolar, etc.).
“Nossa atual Ministra da Educação foi Secretária de Educação de Bogotá. Antes de ser uma pessoa com forte base teórica, ela sabe o que é gerir um sistema educacional de uma grande cidade.”, disse Isabel Cristovao.
Educação Rural
É no setor da educação rural que a experiência colombiana mereceu destaque internacional, sobretudo com o Programa Escuela Nueva, que já existe há 32 anos e foi considerado pelo Banco Mundial, em 1989, como uma das três experiências exitosas nos países em desenvolvimento de todo o mundo.
O programa vem sendo estudado e visitado por 35 países e está em implantação em diversos outros como Brasil, Chile, México, Peru, Etiópia, Uganda, Quênia e futuramente a Índia.
O programa de escolas rurais colombiano, que inclui o Programa Escuela Nueva, institucionalizou-se como uma política pública própria ao reconhecer que seus indicadores eram muito piores do que as médias das escolas urbanas, o que ocorre na maioria dos países.
As escolas rurais, com muita freqüência não recebem recursos, a infra-estrutura é precária e isto acaba refletindo no desempenho dos alunos. A educação na Colômbia ocorre, em sua maioria, em escolas rurais multisseriadas.
As escolas multisseriadas são pequenas unidades com menos de 25 alunos de idades variadas e em séries diferentes, estudando ao mesmo tempo com um mesmo professor.
Esta atividade educacional constitui-se em um verdadeiro desafio ao mestre que tem de desenvolver atividades distintas a grupos de alunos com graus de maturidade e níveis de escolarização completamente distintos.
Dentro deste contexto a Colômbia montou uma estratégia educacional bastante inovadora. Iniciou com uma discriminação positiva destas escolas, oferecendo material didático diferenciado, e buscando capacitar os mestres em uma nova metodologia educacional.
Como os recursos são escassos, o livro didático é utilizado na escola por cerca de 10 anos e o setor produtivo (petroleiros e cafeteiros, por exemplo) se associou ao governo no financiamento e, até mesmo, na gestão da política educacional.
Projetos Pedagógicos Produtivos
O atendimento ao alunado das escolas rurais pode acontecer inclusive fora das escolas, através de um professor itinerante que visita cada família e seleciona alguém desta para desempenhar o papel de orientador (chamado de agente formador) de cada criança. Pode ser qualquer membro da família, um tio, ou um avô, por exemplo.
Este professor viaja centenas de quilômetros, muitas vezes atravessando áreas de conflito, para ensinar as crianças em suas casas e passar atividades escolares para que os agentes formadores ensinem as crianças. A visita é feita uma vez por semana ou quinzenalmente.
Este atendimento acontece porque as crianças moram a cerca de três horas de distância da unidade escolar, entre outras razões. Eles importaram a tecnologia brasileira de aceleração de aprendizagem, e aplicam aos alunos muito defasados pela repetência ou pelo ingresso tardio no sistema educacional.
O governo colombiano desenvolveu para o ensino médio o sistema de “Projetos Pedagógicos Produtivos”, onde os alunos aprendem a desenvolver atividades relacionadas com a vocação econômica de cada região.
Um projeto como este pode relacionar conhecimentos de biologia, química e matemática em uma área rural, por exemplo, desenvolvendo uma atividade educacional em uma plantação de café.
Os currículos tiveram que ser flexibilizados para se adequarem às safras agrícolas. Também foi uma forma de evitar a evasão na época das colheitas, quando as crianças acabam por abandonar a escola para ajudar os pais. Esta prática não é encorajada, mas foi preciso se adequar à realidade.
As disciplinas são oferecidas em módulos, de tal sorte que o aluno vai sendo avaliado de acordo com o alcance de metas de cada disciplina. Isto fez reduzir drasticamente a repetência, aumentando a permanência escolar.
Controle de Custos
O Ministério da Educação colombiano possui um avançado sistema de controle de custos e de acompanhamento dos indicadores educacionais. Segundo o economista Luis Fernando Toro, as escolas rurais cresceram de cerca de 17 mil em 2002, para mais de 33 mil no ano seguinte.
Hoje atendem a 460 mil estudantes. Ainda segundo Toro, o investimento que os alunos receberam a mais que os colegas urbanos, atingiu 220 mil pesos colombianos por ano, ou US$ 115.
Houve um aumento em anos de escolaridade de 18,13% nos últimos seis anos.
Escuela Nueva
Ao visitar a Fundação “Volvamos a la Gente” qualquer um ficaria impressionado com a simplicidade das instalações de uma das mais conceituadas organizações não-governamentais educacionais da Colômbia.
A própria diretora executiva, Vicky Colbert, recebe os pesquisadores e conta um pouco de sua trajetória que se iniciou ainda com o uma jovem formada em sociologia e chegou a vice-ministra da Educação em 1989.
“Esta é uma missão de vida. Minha e das pessoas que trabalham nesta fundação.”, afirma Vicky, se referindo à sua subdiretora técnica Carmem Pérez, que, entre outras atividades, trabalhou também no Brasil, no escritório da UNICEF.
O Programa Escuela Nueva nasceu como uma estratégia pedagógica para apoiar o professor que lecionava sem qualquer metodologia ou infra-estrutura para turmas multisseriadas.
Ele transformou-se em uma política pública que trouxe resultados surpreendentes, tanto na aprendizagem, com o incremento de 52% no desempenho de matemática, conforme atestou a UNESCO/OREALC (2004/2005), como também no desenvolvimento de atitudes positivas e o fortalecimento da auto-estima de crianças e jovens.
A partir desta iniciativa, a Colômbia superou todos os demais países em desempenho educacional de escolas rurais em toda a América do Sul e Caribe, perdendo apenas para Cuba.
Escuela Nueva: passo-a-passo
O programa tem várias características interessantes e inovadoras. A primeira delas é que em uma sala de aula normal é muito comum um professor se colocar como o centro do conhecimento, deixando os alunos, de forma passiva, como meros receptores das informações.
Na sala de aula multisseriada o professor não pode ter a mesma postura. Ele deve ser pró-ativo, tratando de cada aluno de forma individualizada. Em outras palavras, ele não pode se limitar a fazer uma aula expositiva. Ao contrário, deve desenvolver um projeto educacional de acordo com a realidade de cada estudante.
Este é o princípio fundamental para a classe multisseriada. Cada aluno tem que desenvolver atividades específicas e receber uma avaliação que respeite seu tempo de aprendizagem e o seu desenvolvimento educacional.
Além disso, três outras características foram muito importantes: a produção de um material didático de qualidade; a formação continuada do magistério com efetiva modificação das atitudes dos professores em sala de aula e a criação dos círculos de aprendizagem que funcionam através de tutoria, onde jovens estudantes de nível médio e superior fazem o desenvolvimento educacional de 12 a 15 crianças de extrema pobreza ou vítimas da violência que assola o país.
Exceto pelos círculos de aprendizagem, tanto a produção de material didático, quanto a formação continuada eficiente são princípios amplamente defendidos pelos educadores brasileiros.
No entanto, o Brasil não consegue bons resultados neste setor, entre outras coisas devido ao fato de a produção dos livros didáticos estarem a cargo do setor privado. Cada professor brasileiro de escola pública adota um livro livremente, o que dificulta o estabelecimento de um método em larga escala com base no material de sala de aula. É democrático, mas compromete a eficiência do sistema.
O mais surpreendente é uma política pública educacional se manter durante 30 anos a ponto de trazer resultados numa área onde as mudanças demoram décadas a aparecer.
Na Colômbia, como no restante da América do Sul, pudemos constatar pelo testemunho dos agentes de governos e membros de organizações não-governamentais que os programas governamentais flutuam ao sabor das composições políticas e do mosaico de poder que cada eleição estabelece.
Então por que este projeto constituiu-se numa exceção?
Segundo Vicky Colbert, vários fatores levam a isto: as avaliações positivas de organismos internacionais como o Banco Mundial, que financiou parte do programa; as articulações com os professores da comunidade local, que fizeram com que a metodologia permanecesse, a despeito da anuência do governo; e o mais importante, a aliança com o setor produtivo que, ao contrário do que na maioria dos países de forte base econômica agrícola, entendeu que uma maior escolarização era sinônimo de maior produtividade.
Os cafeteiros, por exemplo, abraçaram a causa educacional a ponto de um de seus sindicatos patronais, o Comitê Estadual de Cafeteiros de Caldas, com sede em Manizales, possuir um setor de extensão empresarial. Seu líder, Pablo Jaramillo Villegas, acompanha o dia-a-dia das escolas, supervisiona os investimentos em educação e reúne com as autoridades do Ministério.
“Um cafeicultor com baixa escolaridade não consegue utilizar as modernas tecnologias. Não sabe calcular o quanto de defensivo agrícola deve ser diluído em uma base de água para combater pragas como a broca que é a mais comum. Além disso, são muito mais resistentes às mudanças. Um produtor analfabeto produz menos de uma tonelada por hectare/ano, enquanto que um produtor bem escolarizado chega a produzir quatro vezes este número.”, explica Jaramillo.
Este tipo de parceria entre o setor público e o setor privado está muito além das ações de responsabilidade social, ou dos movimentos esparsos dos empresários mais conscientes que clamam para que o governo cumpra com sua obrigação de oferecer educação de qualidade para todos os cidadãos.
Trata-se do setor produtivo associar-se ao país para co-gerir a transformação de um setor, garantindo mais do que a sobrevivência de um programa, mas sim uma experiência a ser adaptada e reproduzida pelas demais nações em desenvolvimento.
Escola e Café
Ao chegar a Manizales o que mais impressiona é a paisagem. Embora lá fique a sede do Comitê Estadual de Cafeteiros de Caldas, devido a altitude, não existem plantações nos arredores.
São vários os programas desenvolvidos pelo comitê:
Escuela Nueva: conforme descrito anteriormente, tem como principal objetivo fortalecer a educação rural dos municípios nas cinco séries da educação básica.
Escola e Café: prepara desde cedo os alunos para fazerem parte da próxima geração de cafeicultores. Dentro do próprio currículo escolar são desenvolvidos os conhecimentos para a produção do produto do qual dependem suas famílias, para que o cultivo de café seja uma possível opção de vida.
Educação Média voltada para o Mercado de Trabalho: são oferecidos currículos escolares voltados para as exigências do mercado de acordo com as localidades. Desenvolvendo o que eles chamam de “Competências Laborais Gerais” trabalham a gestão da informação, liderança, trabalho em equipe, responsabilidade ambiental, tomada de decisões, entre outras necessárias no dia-a-dia do trabalho.
Ampliação do Ensino Fundamental: normalmente o Ensino Fundamental só é amplamente oferecido até a 5ª série. Através da metodologia do programa Escuela Nueva estão sendo oferecidas as séries 6ª a 9ª do Ensino Fundamental colombiano.
Escola Virtual: oferece maior acesso à informação e ao conhecimento através da internet e de softwares educacionais. Também permite que alunos, professores e pais tirem suas dúvidas através do correio eletrônico, respondidas por professores universitários em, no máximo, 24 horas.
Além destes projetos também é oferecida nivelação de educação primária para os adultos, que alcançam apenas 3.7 anos de escolaridade, contra os 8 anos que hoje alcançam seus filhos.
Colônia Escolar de Manizales
É possível sentir o ambiente diferenciado de uma escola rural colombiana em apenas uma visita. Uma professora somente (eram duas, mas uma entrou em licença médica) consegue controlar cerca de 50 alunos das diversas séries primárias, distribuídos em duas salas de aula ao mesmo tempo. Algo impensável no contexto brasileiro.
Cada turma de alunos tem um aluno presidente, vice-presidente ou secretário que fazem parte de um comitê. Os comitês servem para dar responsabilidades aos estudantes, que se reúnem a cada quinze dias para preparar as atividades das semanas seguintes.
Os comitês são variados e a ele se unem outros alunos de tal sorte que cada um fica com um tema: recreação e esportes, matemática, meio-ambiente, etc. “As aulas são muito livres, mas muito organizadas”, afirma Aracelly Cortés, pedagoga do Comitê Estadual de Cafeteiros de Caldas e co-autora de diversas cartilhas de capacitação de docentes.
A professora, Liliana Giraldo, se orgulha de estar à frente da escola e pede que cada líder se apresente aos visitantes: “Levante-se e explique qual a sua função!”. Prontamente, cada um dos responsáveis fala orgulhosamente de suas atribuições.
Maio / 2007