A Folha Carioca (jornal com distribuição gratuita em vários pontos da Zona Sul) traz, na edição de Julho, um artigo sobre o nosso Theatro Municipal, que fez ontem 100 anos. O artigo é do pesquisador musical Rafael Fonseca (http://www.guiadosclassicos.blogspot.com/).
CENTENÁRIO DO THEATRO MUNICIPAL
Uma cidade como o Rio, envolta em belezas naturais estonteantes, pode dar-se ainda ao luxo de ostentar um dos mais belos teatros líricos do planeta. Não é exagero. Há coisas belíssimas na velha Europa, como o Palais Garnier em Paris (aliás, inspiração para os projetistas de 1905) ou a Semper Oper de Dresden. Ou, mundo afora, a beleza moderna da Ópera de Sidney, na Austrália. Mas nosso Municipal tem um charme qualquer, suas proporções, seu rebuscamento sem grandes exageros, é imponente sem perder a simpatia... Coisas do carioca.
Me dá um certo medo quando leio que a primeira-dama do estado ficou muito entusiasmada com a idéia de se reabrir o Theatro com um show do Roberto Carlos. Nada contra o “rei”, mas cada macaco no seu galho. Afinal, o “rei” canta até em navios, não lhe falta espaço para suas apresentações. Não sou conservador nem careta, acreditem, mas há funções específicas para coisas específicas. A Sala Cecília Meireles é própria para música de câmara; colocar ali uma grande orquestra é o mesmo que enfiar um elefante num fusca (e não se trata de “espaço”, mas de acústica). A Cidade da Música teria sido uma feliz idéia se trouxesse para o Rio – e o Brasil – a idéia moderna de sala de concertos: palco central e platéias ao redor. E nosso Municipal é o grande teatro para ópera, balé, grandes concertos, orquestras internacionais, atrações que pedem um local como esse: um de nossos cartões-postais.
Nas décadas de 1920 e 30 o Municipal recebia com freqüência quase anual a Filarmônica de Viena, e, não raro, o regente era ninguém menos que Richard Strauss, o compositor de Salomé e Assim falou Zaratustra. Os anos 50 viram, aqui, Maria Callas e Renata Tebaldi no auge de suas vozes. Já nos 60 e 70, a “Era de Ouro”.
Exemplos? O maestro Kurt Masur, em 1974, regeu um ciclo inteiro das obras de Beethoven à frente da Sinfônica Brasileira. Os solistas? Ora, basta dizer que um que criou um baita caso – não tocava com alemães, por causa da IIª guerra – foi o Isaac Stern (o Concerto para violino teve de ser exceção na série e teve regência do Karabtschevsky). Outro exemplo, o Karl Richter, maior autoridade em Bach na época, que aqui se apresentou várias vezes, regendo, inclusive, a Associação de Canto Coral. Essa agremiação era considerada uma das melhores no mundo graças ao trabalho da Cleofe Person de Mattos e trouxe, várias vezes, o maestro francês Jacques Pernoo. Aqui, sob a direção dele, encenou-se na década de 60 “O Martírio de São Sebastião” com música de Debussy tendo Geneviève Page no elenco, ou a música inovadora de Honegger em “Le Roi David” e “Jeanne d’Arc au bucher” com a presença do ator francês Henri Doublier.
Eu poderia me perder fazendo uma lista imensa. Mas prefiro encerrar com um apelo, dirigido às nossas autoridades, de todas as esferas: dêem ao Municipal, e aos nossos símbolos culturais, o destino que eles merecem. Ah! E não se esqueçam que para voltarmos a ter uma programação assim, é preciso um elemento prosaicamente fundamental: dinheiro.
RAFAEL FONSECA
é pesquisador musical
www.guiadosclassicos.blogspot.com